domingo, 3 de outubro de 2010

Elegância não vem em cartilha

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Preciso desabafar.
Eu não deveria nem perder meu tempo comentando isso aqui, mas preciso desabafar.
Fui a um jantar na casa de um amigo, para celebrar o aniversário dele. Jantar chique, cardápio elaborado por um chef renomado, bebidas selecionadas. Lago Norte, nata da elite brasiliense. Coisa fina, para convidados idem. Até caviar eu experimentei - iguaria que, assumo, não me agradou aos olhos nem ao paladar.

Bom, fui colocada para sentar à mesa com um grupo de mulheres muito bonitas, bem vestidas e animadas. A maioria da minha idade, algumas pouca coisa mais velhas ou mais novas. Cumprimentei a todas e, durante o jantar, pude perceber que algumas já se conheciam, outras não. Mas todas falavam de suas vidas conjugais como se íntimas fossem. Eu estava calada, esperando um assunto mais interessante, mas demonstrava atenção olhando sempre para quem estava falando no momento.
De repente, uma delas se dirige a mim e pergunta:
- Você vem de uma família simples, né?
- Sim, venho. Como sabe?
- Porque você não sabe usar os talheres. Você usa o garfo com a mão direita. Isso não é elegante, você deveria usar o garfo na mão esquerda.

Todas as outras mulheres imediatamente olharam para as minhas mãos, para o meu vestido e para os meus sapatos. Nenhuma se preocupou em "disfarçar" o comentário desnecessário da distinta moça sentada à minha frente. Nenhuma perguntou sequer o meu nome. E todas começaram uma conversa sobre como foram muitíssimo bem educadas desde a mais tenra infância seguindo as mais nobres regras de etiqueta, como numa competição onde só poderia participar quem tivesse a carteirinha vip do clube da luluzinha bem nascida. E todas usavam o garfo na mão esquerda.

Eu apenas consegui responder:
- É, venho de uma família de hábitos simples sim, mas todos pessoas muito gentis.
Não consegui falar mais nada, pois minha garganta travou. Mas eu deveria ter emendado com um "- Obrigada por me constranger e expor na frente de todas aqui, dessa maneira tão educada. Na certa, vocês também aprenderam, desde o berço, a tratar as pessoas assim. Magnífica educação, parabéns."
Mas não falei mais nada, não consegui. Apenas terminei o meu prato enquanto era ignorada por aquelas belíssimas e bem-criadas mulheres, e tive tempo e estômago suficientes para continuar a ouvi-las falando em altíssimo e bom som sobre suas intimidades com seus maridos, namorados e amantes. Com direito a todos os detelhes escusos, palavras chulas e piadinhas depreciativas quanto ao desempenho de seus pares. Mais uma vez expondo e constrangendo pessoas que, desta vez, nem estavam ali para se manifestar a favor ou contra aquele circo de gargalhadas. Bons costumes, não?

Só terminei minha refeição porque "não é de bom tom" deixar comida no prato, mesmo com um nó na garganta. Engoli a seco e nem esperei a sobremesa (que devia estar divina): pedi licença, educadamente, e me retirei. Nenhuma delas sequer olhou para mim. Quanta educação! Mas continuavam todas usando o garfo com a mão esquerda, enquanto contavam seus "segredos" conjugais para todos ali presentes, aos palavrões.

Me dirigi a um grupinho de pessoas que estava em pé, tomando vinho, e fui muito bem recebida. Todos perguntaram meu nome, de onde eu conhecia o anfitrião, e conversamos por quase três horas sobre nossas profissões, nossos planos, cinema, música, política, educação de filhos, viagens. Que bom, achei os meus! Durante esse tempo todo, todos seguravam suas taças pelo copo, e não pela haste, inclusive eu.

É... elegância e etiqueta são coisas distintas. Muito distintas.
Que alívio.

Um comentário:

  1. Vc é melhor que todas essas pessoas juntas, indubitavelmente.
    Etiquetadas em cacos de porcelana moral cara e insignificante. Nada sabem diante dos reais valores da vida. Tudo sentem, com sofrimento, ante o vazio existencial.
    Isso chateia só de ler...

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